Salas de espera em consultórios médicos costumam ser terra ninguém, ambientes áridos e desconfortáveis, um convite ao tédio. Eu estava sentado esperando para ser atendido pelo oftalmologista quando ele, um garoto com seus 20 e poucos anos, cabelos raspados, alargador na orelha, tatuagens em todas as partes visíveis menos na cabeça entrou na sala. Eu estava envolvido em pensamentos confusos, distraído com a música em meus fones até sentir o cheiro de seu perfume quando ele se aproximou. Parou do meu lado e eu fiquei confuso por um instante. Tirei os fones e ele pediu licença. Só então eu percebi que estava bloqueando seu caminho para a única cadeira vazia: ao meu lado.
– Desculpe!
– Foi nada! – Ele piscou. Eu corei. Continuei ouvindo minha música até ele tocar meu ombro.
– Pode me alcançar um copo d’água? – Eu estava sentado ao lado do bebedor.
Okay. Eu o havia isolado do resto do consultório e, pelo visto, ele estava disposto a puxar assunto. Peguei um copo de água e passei para ele.
– Muito obrigado! – Ele disse piscando o olho de novo com um sorriso quase infantil no rosto.
– Não há de que. – Dessa vez não tornei a colocar os fones: pressenti que aquilo não terminaria ali.
Sempre achei meio chatas as pessoas que puxam assunto em salas de espera, mas naqueles dias a solidão era tão grande que talvez eu aceitasse algum contato interpessoal. E meu pressentimento estava certo:
– É sua primeira vez aqui também?
– Uhum. Acho que vou entrar pro clubinho dos quatro olhos. – Que coisa mais estúpida para se dizer! Aí eu ri um risinho abafado qualquer pensando ter estragado todas as chances de um bom diálogo.
– Aposto que vai ficar bem em você. – Ele disse. Reparei que ele corou tanto quanto eu e então rimos juntos.
– Não vai ficar mal em você também, não. – Repliquei. – Mas, hey! Alargador massa! Dói para colocar?
– Não muito. É só uma fisgadinha, depois passa e vai alargando aos pouquinhos, sabe?
– Sempre quis colocar, nunca tive coragem e também acho que isso dificultaria a minha vida profissional.
– Ah! Ficaria bem em você. Mas o que você faz?
– Eu sou advogado, por enquanto. E você?
– Então, eu sou professor. Ou vou ser quanto a faculdade terminar. Mas me explica esse “por enquanto”.
– Então, é que eu faço psicologia na faculdade. Queria mesmo era trabalhar com isso.
Okay. Típica conversa de sala de espera até agora. Mas e como sair disso sem ser atrevido?
– Renato! – Chamou a moça da recepção. Eu olhei para ela e fiz um sinal. Depois olhei para ele.
– Ok. Agora você já sabe o meu nome, mas eu quero muito saber o seu. Me espera aqui? – Perguntei, mas não esperei a resposta. Não ouvi o sim dele, nem me dei conta de que obviamente ele ainda estaria lá quando eu saísse, já que chegara depois de mim.
Consulta. Oi, doutor! Olha pra cá, pra lá. Letra, letrona, letrinha, letra? Tem letra ali? Um grau e meio de miopia mais um quê de estigmatismo. Bem vindo ao clubinho dos quatro olhos. Na saída da consulta, como previsto, ele ainda estava lá. Ao vê-lo corei, sempre me arrependia desses arroubos de coragem e atrevimento que tinha as vezes.
– Não sei se você tem algo pra fazer agora – Eu tinha – Por via das dúvidas – Ele me alcançou um papel rabiscado – Caso você queira continuar a nossa conversa uma outra hora.
Abri o papel em que estava escrito “Meu nome é Igor. Sim, eu sou gay.” E um número de telefone logo abaixo. Olhei para ele ao mesmo tempo animado e incrédulo.
– Eu preciso voltar ao trabalho, mas vou querer continuar a conversa, sim.
– Tudo bem, quatro olhos. Vou esperar a ligação.
Ele estendeu a mão para apertar a minha com um sorriso maroto no rosto. Apertamos as mãos. Ele piscou um olho de novo e eu fui embora.
Texto escrito em parceria com William Afonso