Thomas era um criativo e, acima de tudo, uma pessoa livre. Por este motivo ele não queria perder a liberdade de não ter a obrigação de ligar pra ninguém antes, durante e depois do trabalho para dizer onde estava e o que pretendia fazer dali 5 minutos. Em contrapartida também não podia mandar ninguém descongelar a carne moída. Mas Thomas tinha um coração em chamas, era um apaixonado.

Além de sua bicicleta e de seus projetos de arquitetura, Thomas amava Melina, que por sua vez amava Raul, que tinha um caso com sua analista, a Maura, que era separada do sócio de Thomas. Algo como aquele poema das pessoas que amavam outras que não eram elas.

Neste caso, independente de como a história começou, Melina era livre, e com Thomas ela passou um tempo.

O tempo passou pra eles como maçã em uma gaveta. Saborosa e brilhante por bastante tempo até que, já bem murcha, apresentou um gosto meio amargo, e então cada um foi pro seu lado.

Melina ficou gravemente doente certa vez, mais ou menos no outono de 2011. Uma febre desacompanhada de mais sintomas foi negligenciada e depois de quinze dias se revelou uma grave inflamação sabe-se lá onde. Thomas não soube o que aconteceu direito. Ele a visitou no hospital umas duas vezes, mandou uns presentes e até rezou. É que o hospital estava cheio de Rauls e Mauras, e possíveis esbarrões poderiam facilmente se tornar o epicentro de um terremoto.

Melina ficou curada tempos depois, tão bem que nem era visível que um dia já tinha sido internada com a sensação de que o mundo estava abaixo de zero. E este fato se tornou insignificante.

Mas o tempo foi passando mais e mais, e um se tornando uma vaga lembrança para o outro. Um encontro acidental em um bar da moda fez tudo voltar à tona, e Thomas precisou correr para vomitar no banheiro. Não estava enjoado, não estava doente, mas parecia que tudo o que guardara em seu coração se materializara em seu estômago e pedia desesperadamente para sair. Melina, não muito melhor, tinha olhos vermelhos que Thomas não soube dizer se eram por conta da lâmpada fluorescente ou uma lágrima pendente. Já em casa, Thomas socou o azulejo do banheiro algumas vezes, mas de forma fraca, porque ele sabia que tudo podia piorar se, além da montanha de sensações represadas, ele ainda tivesse que cuidar de dedos quebrados.

Nenhum dos dois sabia a importância que o outro dava ao caso, mas cada um tinha uma forma de lidar, fosse tentando enterrar tudo, fosse revivendo o tempo fotografia após fotografia, em impulsos masoquistas mesclados a tentativas frustradas de voltar no tempo.

Thomas escreveu uma carta, a maior que já tinha composto. Com as três folhas preenchidas em frente e verso em seu colo, Thomas dormiu.

Ao lado dele, um dicionário aberto em uma página da letra S, grifado em amarelo, tinha sido o engate para que ele começasse a escrever o que outrora seu estômago pôs para fora sob a forma de líquido azedo.

Saudade

s.f. Recordação suave e melancólica de pessoa ausente, local ou coisa distante, que se deseja voltar a ver ou possuir.

Nostalgia.

Por Gabriela Moura ( http://gabinoica.wordpress.com/ )