Está aí uma boa demonstração da noite, seus significados, suas conseqüências. A lógica da noite sendo comparada à lógica do sonho, ou melhor, ao espaço no qual não há lógica alguma, mas o total esvaziamento dos, valores, moral, do que vem a ser considerado correto. É na noite que nos deparamos com as possibilidades de sermos tudo o que não podemos durante o dia, como definiu maravilhosamente Fernando Pessoa ao afirmar que “De dia sou nulo, de noite sou eu”.
Em “Onde estivestes de noite”, não existe um personagem masculino e/ou feminino, mas sim um Ele-ela / Ela-ele, um ser andrógino que é uma mescla de questões sexuais, ideais, morais. Todos em busca um do outro, do prazer, da reciprocidade, da orgia noturna.
A troca de identidade, a mudança em relação à função diária na vida das pessoas, a máscara noturna de cada um, o incesto e a loucura são temas recorrentes neste conto de Clarice Lispector, sempre tratados como um delírio coletivo. É um verdadeiro ritual dionisíaco, bem ao gosto das bacantes gregas.
Na verdade, neste conto, a autora trata a noite como um momento de perdição, não tanto no sentido do pecado, mas sim de motivo para procura. É quando não temos as obrigações do dia-a-dia, quando podemos usar a escuridão como álibi para nossos desejos.
Para quem leu “As brumas de Avalon”, de Marion Zimmer Brandley, uma das versões das lendas do Rei Artur e sua trupe, é impossível não lembrar dos loucos rituais de iniciação de Artur e sua irmã Morgana.
O conto “Onde estivestes de noite” está no livro homônimo de Clarice Lispector, onde se encontram outros contos igualmente fantásticos, tais como “Silêncio”, “A partida do trem”, “A procura de uma dignidade”.
Por Clarisse Cunha