O despertador toca, tu coloca no soneca. O danado insiste em enfiar o som daquela flautinha entusiasmada no teu córtex cerebral. Aí tu faz um carinho desengonçado no cachorro, que nessas alturas já tá em cima de ti implorando pra ir fazer xixi, tu sentas na cama e te esticas com o afinco de estalar todas as partes do corpo, se desse, até o cabelo. Pronto, você finalmente está de pé e vai cambaleando até a cozinha, onde coloca o café pra fazer, depois tropeça até o banheiro e desenvolve o mesmo ritual diário de todos os 5 dias úteis da semana: fazer xixi, escovar os dentes, tomar banho, passar creme, secar o cabelo e ficar de toalha até o último momento possível. Aí tu escolhe uma roupa mais ou menos combinante, ou a que está ali se jogando mesmo, veste, passa perfume, coloca um brinco, acende um cigarro e enche o teu baldinho rosa de café. Enquanto isso o cachorro tá no pátio faceiro esvaziando a bexiga, pra mim ele é feito de xixi, mas não vem ao caso.

Enfim, você pega a bolsa, tranca a porta e desce. Você volta porque esqueceu o guarda-chuva. Depois volta de novo porque esqueceu a sacola com os badulaques que ficou de levar para agência numa espécie de brechó coletivo. Enfim, você sai do portão e finalmente está na rua, feliz que o clima está ameno e o céu não inventou de desabar novamente como minutos antes. Como todos os dias, você segue o trajeto até a parada de ônibus costumeira, ao lado da faculdade, passa por rapazes e seus violões, meninas estilosas e seus 85 quilos de roupa, quando damos sorte tem alguém fazendo um grafitte novo nas paredes da universidade. Me divirto lendo as intervenções artísticas nas paredes, algumas como “ser hétero é tão gay” ou “foda-me com amor” –  o mal do mundo deve ser mesmo a solidão.

Pronto, cheguei na parada! Mas como assim?! Tinham três pessoas, duas mulheres e um homem, pendurando balões pretos por todos os lados, cantos e espaços possíveis da minha parada. Eu já estava acostumada com as poesias coladas, meio caídas pelas intempéries do tempo, mas elas me confortavam enquanto o ônibus não chegava e eu ficava com a cabeça atirada para cima para poder ler. Definitivamente prefiro poesias a balões pretos. Fiquei curiosa, ia perguntar quando eles começaram a escrever um cartaz, bem na hora que eu avistei o ônibus chegando na esquina. Por sorte (ou um tremendo de um azar) deu tempo de ler a seguinte frase escrita em preto e rodeada por corações da mesma cor: TENHA UM BOM ASSALTO!

Que porra é essa?! Eu subi praguejando naquela ônibus, quase que implorando por mais 5 minutos que fosse pra poder conversar com aquela gente e tentar entender o porque de eles serem tão imbecis logo de manhã cedo. Eu sei que a intenção é óbvia, chocar a sociedade e fazer com que nossos olhos se abram para os problemas do mundo blá blá blá! Será que eles realmente acham que as pessoas acordam cedo, buscam vontade e bom humor lá da unha encravada do dedão do pé e saem de casa esperando por um dia que surpreenda, que seja lindo, leve e que aconteça algo de emocionante e ficam realmente animadas com essa frase e aqueles balões macabros? É fato que não, todo resquício de felicidade do dia se foi por água abaixo. Não, amores, nem se iludam, o máximo que a sociedade vai proporcionar para vocês é isso mesmo, uma parada tapada de balões pretos, no maior estilo fúnebre de ser e um cartaz desejando gentilmente que você tenha um bom assalto, tipo relaxa e goza porque né, você não tem escolha! O mundo é assim, a vida é mesmo escura e você não tem o que fazer. Eu tanto não tenho o que fazer que tô aqui, 8 e pouco da madrugada pendurando balões pretos numa parada e fazendo o favor de te desejar um bom assalto, porque claro, ele vai acontecer é um fato iminente. Se não aconteceu ainda, vai, basta esperar. Nessa parada aqui, por exemplo, já deve ter acontecido umas quantas vezes. Deve ser isso que tava passando na cabeça daquela gente.

Isso não se faz, definitivamente, os nossos pseudo-artistas-ativistas estão focando seus protestos nos assunto errados. Todo mundo já passa o dia escolhendo as melhores ruas para caminhar,  fica com torcicolo olhando pra trás e desconfiando até das crianças, pega ônibus ou táxi para garantir a segurança de chegar em casa, tranca a porta e fecha bem as janelas para poder dormir com um pingo de paz. Não, nós não precisamos de balões pretos ou frases idiotas desejando que tenhamos um bom assalto porque coisas desse tipo nunca são boas, nunca são divertidas e muito menos inspiradoras.

Por um mundo onde desejemos mais abraços, mais conversas nas paradas de ônibus, nos elevadores, nas padarias, mais gentileza para deixar a senhora/senhor passar na sua frente. Desejar que todos tenham um lindo dia será que é tão custoso assim? Enfeitar uma parada com balões coloridos, mensagens positivas e desejo de um bom dia pode gerar menos status, mas certamente influenciará muitos novos sorrisos esquecidos nessas manhãs rotineiras.

MAIS AMOR, POR FAVOR! <3