Segundo o dicionário Larousse Cultural, a palavra de origem francesa fetiche diz de um “objeto natural ou artificial, ao qual são atribuídas propriedades mágicas ou o qual se venera como sobrenatural”. Caindo pra psicanálise, esse ato de atribuir valores simbólicos a algo é o fetichismo, atitude geradora de desejo, prévia sexual. A idéia é que o culto ao fetiche pode, algumas vezes, ser mais valorizado que o que ato sexual em si.
A história do fetiche é bastante rica em detalhes por causa da evolução de conceitos e valores humanos. Existem duas vertentes que teorizam sua origem de formas distintas. Uma considera o fetiche como sendo, praticamente, inerente ao homem, na medida em que tratam a história do fetiche como sendo paralela à história do homem. Assim, como não podia deixar de ser, um dos fenômenos mais descritos são as mulheres chinesas tendo que usar sapatos pequenos para atrofiar os pés. Mas não são todos que seguem essa teoria. Muitos filósofos e estudiosos do comportamento humano consideram o fetiche uma atitude guiada pelo desejo, surgida apenas entre os séculos 18 e 19, na Europa. Alfred Binet, pensador francês, foi o primeiro a utilizar a palavra como a entendemos hoje, em seu ensaio Le Fetichismo dans L’amour (O fetichismo no amor), em 1887.
Estágios do Fetiche
O fetichista pode ter quatro diferentes estágios de comportamento. O “Parcialismo” é considerado o primeiro passo, quando existe apenas uma certa preferência por determinado parceiro, estímulo ou atividade sexual. No segundo, temos o fetichismo um pouco mais intenso, onde a preferência já é mais evidente. Quer dizer, a relação sexual pode acontecer sem a presença do fetiche, mas é muito provável que tal fetiche acabe entrando em cena. O terceiro é o grau dos “Moderados”, quando um estímulo sexual é necessário para a performance e o envolvimento sexual. Aí, já é comum o fetichista se focar de tal forma no objeto, que este passa a ser a chave do seu interesse e/ou atividade sexual. E, finalmente, o último estágio é quando temos a substituição do ato e do parceiro sexual pelo fetiche em questão.
O poder da Lingerie
Quando pensamos em fetiche, o que nos vem à mente são roupas de couro e borracha; lingeries, mais especificamente espartilhos, cinta-ligas e meias; botas bizarras e saltos altos. Segundo a psicanalista Heloísa Caldas, “o fetiche veste o corpo para lhe dar valor e beleza. Funciona, portanto, sempre como um véu – cobre e esconde a condição mortal da carne – e isto é necessário para desejar, para que o esforço da vida valha a pena”.
Lingerie são as várias peças de baixo usadas pelas mulheres. Algodão puro ou seda, o feitiço dessas peças desperta a curiosidade e o desejo de muitos. Calcinhas, espartilhos, sutiãs, cintas-liga e meias formam um capítulo à parte na história da moda e as transformações que essas peças sofreram ao longo do tempo acompanharam o entender do homem pelo mundo, e sua relação com os tabus e determinações culturais e sociais.
A psicanalista Regina Navarro conta em seu site que no século 19, a alfaiataria desenvolveu o ideal de elegância baseada no seguinte conceito geométrico: o sexo H era o ideal masculino, em se tratando da verticalidade e sobriedade, dos ombros aos pés. Já a mulher deveria se manter na forma do X, com cintura estreita, bustos e quadris fartos, talvez por chegar próximo de seu papel materno. Esse ideal veio do Renascimento e por pouco não chegou no século passado. Muitas foram as mulheres que tiveram sérios problemas de saúde e algumas até mesmo morreram asfixiadas. Afinal, não deve ser nada fácil atender à obrigação de ter cinturinha de vespa.
Foi apenas no século 20, com a mulher moderna e ativa, que a lingerie se tornou fórmula para tanto desejo. Claro que presença da comunicação de massa, principalmente do cinema, ajudou – e muito – na criação desta aura com clima de sedução e fantasia. Nesse meio tempo, houve quem desse um intimado aos sutiãs, como aconteceu com a geração de 60, que os queimou em praça pública, um ícone da liberdade feminina. Nos anos 80, com a autonomia e determinação bem mais claras, a indústria têxtil de lingerie chegou a vender mais do que outros itens do guarda-roupa. Era o surgimento dos diferentes modelos, cores, tamanhos e materiais, abrindo portas à imaginação ao estilo e fetiche de cada um.
Sexo, fetiche e moda
Roupa é, quase que por definição, a linguagem do corpo. E por isso, consiste num diálogo permanente com o mundo que nos cerca. A primeira assimilação entre o nu e o pecado é na história de Adão e Eva, quando o sexo aparece como sinônimo de pecado. Esse tabu acompanhou a humanidade, sempre valorizando a obsessão por se manter todas as possíveis e imagináveis partes do corpo escondidas. É nos idos do século 16 que a ousadia começa a entrar em cena com corpetes, chapéus, golas, sapatos. Ainda assim mantinha-se o intuito de esconder os segredos do corpo feminino – só que o enigma começava a ser instaurado. E junto com o enigma, o desejo crescia.
Fazendo uma ponte para a realidade nossa, podemos observar as proporções tomadas pelo tal enigma. Nos anos 60, tivemos seriados de televisão como Os Vingadores, no qual Diana Rigg fazia o papel de uma mulher poderosa e sensual chamada Emma Peel, que usava botas bizarras e um macacão de couro estilo catsuit (fantasia felina). Trinta anos depois Michelle Pfeiffer dá provas de perfeito entendimento com o assunto em “Batman – O Retorno”.
Em termos de estilo mais propriamente dito, uma das mais importantes referências para o fetiche é Jean Paul Gaultier. Inesquecível o espartilho criado para Madonna em sua turnê “Blonde Ambition”. E o estilo correntes e coleiras dos punks acabou sendo adaptado pelo visual moderninho de alguns gays clubbers.
Já no lado mais grotesco do fetichismo, o do erotismo perverso e sado-masoquista é também fetichismo chique presente no ensaio fotográfico de Helmut Newton (veja livros do gênero na Taschen).
Mas o erotismo e a sensualidade na sociedade ocidental não são somente em função de um objeto. A ausência de algo, um cheiro, um pensamento também são considerados fetiche, pois também motivam e induzem ao prazer. Por exemplo, quando perguntaram para Marylin Monroe o que ela usava para dormir e ela repondeu “duas gotas de Channel n.5″. Ou ainda quando Brooke Shields em um filme publicitário marcou o erotismo quando dizia que “entre ela e seu jeans não havia nenhuma outra pecinha”.
Calcinhas nossas de cada dia
Peça presente no dia-a-dia da mulher, a calcinha já foi apenas uma faixa em torno da cintura, na civilização grega. Os europeus, que não eram habituados a muitos banhos, passaram a usar as calças de baixo para proteger as roupas externas dos suores do corpo. Cortesãs venezianas, bailarinas e atrizes usavam ceroulas, que aos poucos foram diminuindo até chegar na calcinha propriamente dita.
Regina Navarro define o tamanho, o tecido e a cor da calcinha como sendo senhas. Senhas essas que revelam a identidade erótica de quem a veste. Entre brancas, amarelas, rosas, vermelhas e pretas, temos um leque de intenções, personalidades, sofisticação e ousadia. A amarela, por exemplo, pode dizer de alguém que não quer ter relações sexuais. Já a rosa diz de uma pessoa romântica e presa em ideais. A preta é sofisticada, poderosa e mal intencionada, mas não menos que a vermelha.
A combinação, a camisola e o baby-doll
A combinação não faz parte do guarda-roupa da mulher moderna, a não ser para momentos de fantasia e “audácia pura”. Mas sua função era de esconder o corpo quando a mulher estivesse com vestidos relativamente transparentes, fixada na imagem de Liz Taylor nos anos 60. São pequenos vestidos, mais próximos de camisolas de seda bem fina.
As camisolas também são fortes candidatas a uma noite de fetiche. E a variedade dos dias de hoje mostra que as possibilidades são praticamente infinitas, com tantas cores, detalhes, decotes, rendas, laços e tamanhos, agradando de gestantes a Lolitas. Aliás, a personagem de Nabokov, Lolita foi quem consagrou o baby-doll, uma versão da camisola e do pijama para meninas, unido inocência e malícia – origem de verdadeiras fantasias a dois.
Espartilhos, o ícone do fetiche
O espartilho é tido como um dos principais ícones do fetichismo. No entanto, sua história data de quatro séculos atrás, e conta com muitas transformações e também sofrimento e deformação do busto por parte das mulheres.
Desde antes da Idade Média, havia uma forte preocupação em definir a forma do tronco. Para isso, tanto homens quanto mulheres usavam faixas apertadas em volta do corpo. Com os homens isso acabou mudando logo, pois era necessário vestimentas que facilitassem o deslocamento e a agilidade. Já com as mulheres, o que mudou foi que elas puderam passar a usar saias longas e fartas. Mas a cintura continuava tendo que ser apertada. Do corselete veio o espartilho, que era o primeiro mais rígido e pesado.
O Renascimento foi a época que mais exaltou a beleza feminina, com altas doses de sensualidade e erotismo, tendo os seios como as grandes vedetes. Sinal de superioridade, o espartilho era usado apenas pelas mulheres da aristocracia, sendo atado por trás, o que exigia a ajuda de empregados. Além de causar sérios problemas de saúde, o corpete aristocrático distinguia classes. As mulheres modestas usavam um espartilho mais próximo do corselete medieval, que elas mesmas poderiam fechar, sendo atados por cordões pela frente. A partir daí, foram feitos espartilhos dos mais diferentes materiais de acordo com a estética vigente. O corpete pespontado deixava o busto parecendo um cone e era armado com uma haste encaixada no tecido, sendo uma lâmina sólida feita de madeira, marfim, madrepérola, prata ou osso de peru. Mais tarde usaram barbatanas de baleia fazendo hastes mais flexíveis. No final do século 18 a haste central foi substituída por várias barbatanas.
O forte aspecto social fez com que o espartilho fosse abolido na época da Revolução Francesa, quando as roupas voltaram a ser simples e práticas. Foi a primeira vez, na história da sociedade francesa, que as mulheres não usaram as armações feitas de arcos de aço para moldar a forma das saias, nem seus espartilhos.
No século 19 a estética da cinturinha volta à cena. Junto disso, houve a moda do decote mostrando os seios separados, apelidando os espartilhos de ‘divórcios’. De tempos em tempos, novos modelos apareciam, demonstrando uma verdadeira evolução de tecnologia e conceito. Aos poucos eram oferecidos modelos para todas as ocasiões. Com alguns as mulheres poderiam se vestir sozinhas, sem ajuda de empregados, com outros elas não precisariam mais se preocupar com a ferrugem da estrutura, já que eram feitos em aço inoxidável…
No começo do século 20, a mulher ainda usava espartilho, mas estes eram menores, mais flexíveis e permitiam movimentos mais livres e postura reta. Foi a Primeira Guerra Mundial, confirmando seu papel de corte definitivo com o século 19 e a belle epoqué, que decretou a morte do espartilho, pois agora era preciso que as mulheres fossem trabalhar, assumindo o papel dos homens que estavam na guerra.
Aos poucos os espartilhos iam sendo substituídos por cintas, abrindo espaço para a entrada em cena dos sutiãs. No entre-guerras, houve uma tentativa de trazer de volta o império da silhueta marcada e da cintura fina, mas a guerra veio novamente. Em 1947, o New Look de Christian Dior deu novo fôlego aos espartilhos. Daí para a moda definitiva do fetichismo foi um passo. Nos anos 90, as mulheres vinham, no espartilho, um símbolo de erotismo, da mulher dominadora e sexualizada, imagem que continua até os dias de hoje.
O sutiã e a revolução feminina
Findado o espartilho no dia-a-dia das mulheres, o sutiã tomou força como símbolo da mulher dinâmica, atuante, prática, ansiosa por liberdade. Sua invenção foi um pouco antes disso, em 1889, pelas mãos da francesa Herminie Cadolle. Alguns anos mais tarde, Mary Phelps Jacob desenvolveu com a ajuda de sua empregada francesa, um modelo feito com lenços e fitas.
Nos denominados “loucos anos 20″, quando as jovens começaram a aparecer com vestidos mais curtos e decotes mais ousados, o estilo era o garçonne, com faixas de cambraia ou crepe amarradas nas costas, diminuindo o volume dos seios. A década seguinte voltou a valorizar a silhueta feminina, tendo Mae West como símbolo dos seios acentuados. Além disso, começaram a surgir tecidos elásticos, permitindo a fabricação de peças mais confortáveis e diversas. Cada vez mais as mulheres queriam ter seios pontudos e torneados. No auge da década de 50 os sutiãs que possibilitavam essa estética foram verdadeiro sucesso de vendas.
Nessa mesma época, a influência do New Look de Dior, além de trazer de volta o espartilho, trouxe o conceito de “seios globo” das pin-ups, bem traduzidas por Liz Taylor, Marylin Monroe, Rita Hayworth, Brigite Bardot e Sofia Loren, entre outras. Modelos para aumentar, estufar e aproximar os seios surgiam aos montes, assim como os mais simples e delicados criados para as jovens adolescentes dos anos 60.
Mas já nessa década e na seguinte, as mulheres também revolucionaram o papel feminino na sociedade, optando pela moda do seios pequenos com atitude. Para isso, decidiram não mais usar “o último símbolo de repressão após os apertados espartilhos”, e em 1968 algumas das feministas queimaram seus sutiãs em Washington, na frente do Senado americano.
Foi nos anos 80 que a produção do sutiã encontrou seu auge tecnológico com sua maior parceira desde então, a lycra. Essa explosão foi um passo para o surgimento do outwear, o sutiã que é usado como roupa de sair (bodies, bustiês, corpetes), moda lançada principalmente por Madonna.
Um século mais tarde da instauração do sutiã como peça fundamental no guarda-roupa feminino, e passadas todas as revoluções nesse sentido, o que usamos atualmente é uma peça que conta com 43 componentes e um desenho bastante complexo, impossibilitando que todas as etapas de produção sejam robotizadas. Isso resulta num nível de sofisticação e qualidade que possibilita levantar, aumentar, aproximar ou mesmo separar os seios, a critério da freguesa – e do fetiche.
Meias, uma história de sedução
No “Livro das Invenções” de Marcelo Duarte (Cia. das Letras), as primeiras meias datam da Grécia Antiga. As skykhos, como eram chamadas, eram usadas apenas pelas mulheres, e cobriam os dedos e o calcanhar. O mesmo acontecia com as romanas, onde as chamadas soccus eram feitas de couro macio.
A primeira máquina de fazer meias foi inventada por William Lee, em 1589, na Inglaterra. Um tempo depois, mais exatamente em 1656, os franceses também começaram a produção. As meias francesas, um tempo mais tarde, eram muito finas e precisavam ser presas por ligas aos espartilhos ou cintas. Mas é claro que nada disso era empecilho para que as revolucionárias da época usassem e abusassem de suas meias – de seda azul. As meias de rede, conhecidas como arrastão, foram imortalizadas pelas dançarinas de can-can.
Assim como as outras peças que fazem parte do chamamos lingerie, as meias seguiram a evolução nos costumes e valores sociais e culturais. No início do século 20 eram bastante grossas e escuras, ficando por baixo dos longos vestidos. Quando o comprimento começou a diminuir e as pernas foram se tornando as zonas erógenas do momento, as meias tiveram mais importância, pois tinham que valoriza-las e esconder possíveis falhas.
Mesmo com todo esse histórico, a consagração das meias foi em 1935, com o surgimento do nylon, o queridinho da hora. Após oito anos de pesquisa, o laboratório Du Pont, dirigido pelo químico Wallace Carothers chegou na fibra sintética, que possibilitava meias mais resistentes, além de facilitar a produção de grandes quantidades e a diminuição dos preços ao consumidor. De fato, não poderia ter menos destaque na indústria têxtil.
Conta-se que no dia do lançamento das meias finas de nylon, mais exatamente em 15 de maio de 1940, 4 milhões de pares foram vendidos nos EUA: “as filas nas portas das lojas pareciam não ter fim e muitas mulheres chegaram a brigar por um par de meias de náilon. Muitas nem esperavam chegar em casa para vestí-las”. Quando a indústria do nylon teve que andar em paralelo com a indústria bélica, nos anos de guerra, uma pesquisa feita nos EUA constatou que 80% da mulheres sentiam mais falta das meias de nylon do que se seus maridos ou namorados.
A meias-calças inteiras, bem mais práticas, surgiram apenas na década de 50. Até então, havia apenas as 7/8, que precisavam vir acompanhadas de cinta-ligas, um acessório foi muito usado até então, pois as meias precisavam ser presas. Hoje, o fato dessa meias serem opcionais faz com que seu uso (principalmente quando acompanhado de cinta-ligas) seja praticamente inerente a situações de erotismo e fetiche.
A partir de 80, a tecnologia na produção de meias foi ficando toda automatizada, e cada vez mais o conceito de marketing de atender as necessidades dos clientes se confirma numa indústria que apresenta produtos com os mais diversos materiais (seda, lã, nylon, lycra, algodão), níveis de transparência (opacas, finas), textura, tramas, cores, enfeites e finalidades, como aumentar, modelar, combater varizes e celulite, amenizar a barriga, ajudar na sedução.
Dicas e cuidados com a sua lingerie
Garanta uma vida útil longa à sua lingerie:
1 – Lavar à mão, numa temperatura nunca acima de 40ºC. A máquina pode deformar e desfiar rendas e altas temperaturas modificam a cor, tornando-as encardidas.
2- Não lavar em água com cloro. Danifica as características de coloração e elasticidade.
3 – Não passar a ferro, para não danificar o elástico das peças.
4 – Não secar sua lingerie ao sol, pois normalmente amarela suas peças.
5 – Se não puder evitar de lavar suas peças na máquina, lave-as envolvendo num saco fino permeável (pode até ser uma fronha), fechando com um nó.
6 – Nunca puxe a renda de sua lingerie. Elas podem rasgar-se se puxadas com força.
7 – As rendas tipo guipuire normalmente não possuem elastano e são muito delicadas. Por isso, se perceber que ela não estica, não force, pois certamente ela poderá se rasgar.