Física quântica, teoria da relatividade, artistas, cubismo, facebook e o mundo o que vivemos. Vamos refletir sobre essas conexões e mudar a percepção que temos de mundo?

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1.

Na nova física, os átomos não são nada semelhantes àquelas partículas duríssimas, indestrutíveis, não analisáveis de Newton. As unidades subatômicas da física quântica (elétrons, prótons, nêutrons, etc) têm um aspecto dual: dependendo de como as observamos, apresentam-se ora como partículas, ora como ondas.

O mundo apresenta-se como um complexo tecido de eventos, no qual conexões de diferentes espécies se alternam, se sobrepõem ou se combinam e, desse modo, determinam a contextura do todo.

2.

Isso ficou mais claro no teorema de John Bell, baseado no experimento EPR (Einstein, Podolsky, Rosen). Esse experimento consistiu, resumidamente, em verificar que a medição realizada numa partícula determina instantaneamente o sentido do spin da outra a milhares de quilômetros de distância. Isso revela que, embora separadas no espaço por milhares de quilômetros, estão ligadas por conexões instantâneas, não-locais. Essas conexões transcendem nossas noções convencionais de transferência de informações, porque, por serem instantâneas não podem ser pensadas em termo de espaço, pois superariam a velocidade da luz (CAPRA, 1999, p.79-80).

3.

A teoria da relatividade provocou uma profunda mudança nos conceitos de espaço e de tempo, que perdem sua conotação de absolutos.

Para descrever com precisão fenômenos com velocidades próximas da velocidade da luz, é necessário recorrer a uma estrutura relativística que incorpore o tempo às três coordenadas espaciais, fazendo dele uma quarta coordenada a ser especificada em relação ao observador. Em tal estrutura, espaço e tempo estão íntima e inseparavelmente ligados e formam um continumm quadridimensional chamado espaço-tempo. O próprio físico Fritjof Capra (1999), confessa ser difícil lidar com essa realidade no nível da intuição e da linguagem comum e passa a dar alguns exemplos. Escolhi um: “no nível subatômico, as inter-relações e interações entre as partes do todo são mais fundamentais do que as próprias partes. Há movimento, mas não existem, em última análise, objetos moventes; há atividade, mas não existem atores; não há dançarinos, somente a dança.” (CAPRA, 1999, p.86)

4.

Mencionei acima o fenômeno da evolução. O sentido da evolução não é uma seqüência de quadros justapostos. Cada nova fase revela um plus qualitativo. É isto também o que diz Teilhard de Chardin, quando enunciou a lei da complexidade e consciência. O processo evolutivo se confunde com o processo da emergência da consciência. Sob esse ponto de vista, o homem é a flecha avançada da evolução, é a evolução que atingiu o estágio de pensar em si mesma, de autoplanejar os seus próximos passos evolutivos. O homem é a síntese de todas as fases anteriores.

Essa colocação me parece de extrema importância para entender, entre outras coisas, a criação artística. Se o homem é a síntese de todas as fases evolutivas anteriores e se as qualidades das fases anteriores se conservam ampliadas nas fases posteriores, então no homem se encontram transfiguradas e melhoradas todas aquelas qualidades que caracterizam de uma maneira especial a linha e o objetivo da evolução, que consiste no aprimoramento do interior, da consciência e a conseqüente capacidade de comunicação e autocomunicação.

5.

Uma comparação: uma emissora de rádio emite ondas. Qualquer aparelho de rádio que sintonze essa ondas captará a mensagem que está sendo transmitida. Será a flecha avançada da evolução inferior a tudo isso, ou será que cada um de nós é um sofisticado centro de comunicação e autocomunicação, bem como de recepção total de tudo o que é transmitido por toda a cadeia evolutiva, especialmente por cada um dos seres humanos em separado? O ser humano não pode ser inferior ao que na física quântica constatou o experimento EPR, ao nível de elétrons, de serem dotados do poder das conexões instantâneas, não-locais.

6.

Tendo tudo isso presente, como pode ser visto um movimento cultural novo, e como pode ser interpretada a função do artista ou designer? O artista, como todo ser humano, está inserido num determinado momento histórico, construíndo, transformando, transmitindo e recebendo todas as informações. Pouco importa se as informações e as emoções recebidas chegam ao nível da consciência reflexa. Se esse artista possui grande sensibilidade e capacidade para comunicar intuitivamente o que se passa em seu interior, criará uma obra de arte, que será, de certa forma, uma ressonância do seu mundo interior, nesse processo de interação com o universo inteiro, do jeito como conseguiu sintonizá-lo. Um Picasso, por exemplo, teria conseguido pintar Les Demoiselles d’Avignon, se tivesse vivido em plena Idade Média, em sintonia com as transmissões daquele tempo? Mark Zuckerberg teria criado o Facebook durante o Modernismo? Se respondesse sim, provavelmente invalidaria a lei das probabilidades.

7.

Creio ser essa a razão porque cada um dos movimentos culturais quer sejam de caráter artístico ou não, sempre giram em torno de umas poucas figuras que o deflagram, porque essas poucas figuras conseguem captar os sinais dos tempos, as sinalizações, que são transmitidas e que na esmagadora maioria das pessoas permanecem como elementos vivos mas demasiadamente soterrados e desarticulados no mundo do inconsciente. Nessas pessoas altamente sensíveis, que desencadeiam esses movimentos, essas recepções conseguem dinamizar o seu interior, colocando-os num estado de sintonia ora mais ora menos lúcida e num estado de sintonia emocional mais intensa ou menos intensa com as vibrações do seu tempo ou com algum aspecto do seu tempo. Isto explicaria porque num mesmo período da História podem aparecer movimentos aparentemente diferentes, mas que, se bem observados, talvez sejam manifestações polifacetadas de um mesmo fenômeno. Será que o captar, o sentir e o pressentir o fato novo em gestação não constitui a pré-condição para o momento da inspiração criadora, que se apossa dessas pessoas que ponteiam a emergência do novo no processo criativo?

Voltando a Picasso, teria ele deflagrado o movimento do cubismo com Les Demoiselles d’Avignon (1907) depois de ter lido a teoria da relatividade* de Einstein (1905)?. Pouco importa se Picasso leu ou não essa teoria na sua forma escrita. O que importa é que, ao nível do conhecimento não reflexo ele captou isso, porque Einstein, mesmo que quisesse, não conseguiria não disponibilizar isso tudo a todos.

 

* “O cubismo é quase uma aplicação da teoria da relatividade à pintura, ou sua interpretação poética: num mesmo instante, um objeto é visto ao mesmo tempo sob vários aspectos”. (COELHO, 1995, p.27-29).

 

 

Por Luciane Zorzo