Camila beijava-me como se tivesse pressa. Desde o primeiro beijo que trocamos foi assim. Não que eu esteja dizendo que não gosto do beijo dela, bem pelo contrario, se alguém é capaz de beijar com ternura esse alguém é Camila.
Nos conhecemos por acaso na fila do cinema, ela ia ver uma comédia romântica e eu um filme de ação. Acabamos vendo um filme de terror, o que foi de suma importância considerando que na primeira cena assustadora a mocinha, que se dizia corajosa, escondeu o rosto no meu braço e vimos o resto do filme abraçados. Ela não me deixou beijá-la, por mais próximos que estivéssemos.
Depois do cinema fomos comer numa dessas lanchonetes que têm mesas a céu aberto. Ela disse que gostava de ambientes amplos. Ela tinha 23 anos e tinha acabado de se formar em química de alimentos. Cabelos castanhos assim como os olhos, entretanto os olhos dela eram de uma claridade que eu nunca tinha visto. Era bela aquela moça.
Conversamos sobre várias coisas e logo vi que não, provavelmente aquilo não desse em nada. Ela curtia rock pesado, eu bossa-nova. Ela era ateia, eu espírita. Ela era esquerdista, eu não me posicionava quanto à politica. Ela não vivia sem carne, eu era vegetariano. Nem mesmo os times de futebol combinavam. Apesar disso resolvemos conversar.
Naquela noite a lua estava cheia, e foi ela quem reparou nisso. De fato, por entre as árvores, era possível ver uma lua que se estivesse mais cheia explodiria. Depois de comer o lanche a levei até a porta de casa. Apesar de eu ter insistido pra que ela fosse pra minha casa ela disse que precisava cuidar do irmão ou algo do tipo. Trocamos telefones e no outro dia marcamos de nos encontrar para um café.
Fui já sem esperanças. Ela era legal e tal, mas não parecia que passaria daquilo. E foi essa a primeira vez que ela me surpreendeu. Quando fui deixá-la à porta do trabalho ela adiantou-se e me deu um beijo. Diz ela que estava cansada de esperar pela minha iniciativa. E aquele foi o primeiro beijo apressado que trocamos.
Depois disso nos vimos quase todos os dias, a não ser por uma semana na qual ela desapareceu. Passei na frente da casa dela varias vezes e não a vi. No trabalho disseram que ela tinha viajado. Presumi que não quisesse mais falar comigo. Foi então que, no domingo, ela magicamente reapareceu me convidando pra ir ao cinema. Dessa vez não perdi tempo: começamos a namorar.
Ela era uma boa namorada. Atenciosa, porém não sufocante. Inteligente. Companheira. Boa de cama. Alias quanto a esse ultimo adjetivo. Demoramos cerca de um mês para transar, ela não era mais virgem, já tinha me dito. Mas repetia que não queria fazer do sexo o ponto principal da nossa relação cada vez que eu tentava passar dos limites.
Brigávamos, e muito. Uma vez ela simplesmente cortou as cordas do meu violão, não lembro exatamente por que, mas acho que foi por causa de uma mensagem de texto de uma ex- namorada a qual eu respondi efusivamente.
Ah, sim, Camila era um ser excessivamente ciumento, mas eu gostava disso na verdade. Certa vez depois de algumas doses de tequila ela ameaçou uma garçonete com palitos de dente. Até hoje ela recusa-se a acreditar que realmente fez isso e me ameaça com os mesmos palitos se eu ousar contar para alguém.
E a vida seguiu-se assim normal. Eu nunca tinha certeza se ela realmente queria ficar do meu lado ou não. E então veio a segunda vez em que ela me surpreendeu. Namorávamos há três anos já e havíamos marcado de ir numa pizzaria para comemorar o dia dos namorados. No fim da noite ela tirou da bolsa uma caixinha e colocou na mesa entre nós dois. Havia duas alianças na caixa.
Nos casamos cinco meses depois. Morar junto com alguém foi uma das experiências mais difíceis pela qual eu já passei. Nos separamos dois anos depois do casamento. Mas aquela separação não durou mais de um mês. A verdade é que eu precisava dela, da energia que ela tinha, da voz dela no meu ouvido, do corpo esguio na cama, das bobagens que ela falava quando era aconselhado que não se falasse nada. Provavelmente fosse amor essa história toda.
E então ela me surpreendeu uma terceira vez. Era manhã de domingo e eu tinha acabado de acordar. Aliás, ela tinha acabado de me acordar e com um sorriso que ia de orelha a orelha. Estou grávida. Foi só isso que ela disse. Não que precisasse mais do que isso. Ela me beijou como se tivesse pressa. Era sempre assim, Camila sempre tinha pressa de alguma coisa. Sabe- se lá de que.