Pode uma pessoa, numa cadeira de rodas, estar mais inteira do que nunca? Uma sinopse careta, do tipo “o livro conta o processo de recuperação e as lembranças de um rapaz que ficou paraplégico aos 20 anos de idade” é uma verdadeira covardia com o leitor desavisado que se depara com Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva – um dos maiores best-sellers dos anos 80.

O texto franco, direto, escrito com grandes doses de carisma e, por que não, bom humor, não se limita a lamentar a má sorte de um rapaz que deu um mergulho em um lago raso e partiu a coluna vertebral. Na verdade, Feliz Ano Velho mostra toda a inquietação de um jovem que viveu plenamente, como se cada minuto de sua vida como se fosse o último.

A maneira sincera com que Marcelo lembra de seus namoros e casinhos, admitindo momentos de fraqueza – como a vez que broxou – e grandes conquistas como o dia em que mexeu o braço pela primeira vez ou o carinho dos inúmeros amigos (muitos mesmo) que acompanharam sua recuperação tornam a experiência de vida deste rapaz – ele ainda teve o pai, o deputado federal Rubens Beyrodt Paiva assassinado durante a ditadura – uma verdadeira lição de que a vida é boa pra caralho.

Marcelo opta, conscientemente, por um texto maduro em que fala das suas experiências sem cair na pieguice de livros de auto-ajuda, sem querer dar uma de mocinho, de pobre coitado. Como ele mesmo disse um ano após o acidente. “Meu futuro é uma quantidade infinita de incertezas. Não sei como vou estar fisicamente, não sei como irei ganhar a vida e não estou a fim de passar nenhuma lição. Não quero que as pessoas me encarem como um rapaz que apesar de tudo passa muita força. Não sou modelo para nada. Não sou herói, sou apenas uma vítima do destino, dentre milhões de destinos que nós não escolhemos. Aconteceu comigo. Injustamente, mas aconteceu. É foda, mas que jeito…”

*O texto Feliz Ano Velho está disponível em vídeo no filme homônimo estrelado por Marcos Breda e Malu Mader, também dos anos 80.

Frases

“De repente vejo pousar uma nota de cinqüenta cruzeiros no meu colo. Era uma velha que tinha jogado e saído rápido. A princípio não entendi, mas depois não agüentei e caí na gargalhada. Ela tinha me dado uma esmola. E como dissera meu amigo paraplégico Silvio: ser deficiente também tem suas vantagens” pág 226

“Dei muita sorte na Unicamp, com um sorriso bonito e esse meu machismo liberal. É a minha grande arma, meu sorriso. Não que eu tenha descoberto isso, mas várias garotas se deixaram seduzir por ele. Depois me contavam. É claro que eu comecei a dar maior importância , já que passei grande parte da minha adolescência com uma incrível dificuldade de me aproximar de mulheres.” pág 74

 

Por Anne Clinio