O CD ‘Sotaque Carregado‘, lançado em 2012, é a base do show que o DJ MAM vem apresentando durante o evento Parque da Bola, que acontece em todos os dias de jogos da Copa, até 13 de julho, no Jockey Clube do Rio de Janeiro.
O show, que é dirigido pelo VJ Jodele Larcher, acontece no palco principal, onde dois telões transmitem em alta definição as partidas de futebol. DJ MAM está recebendo convidados que lançam no evento remixes de suas músicas. Marcelinho da Lua e Deeplick já passaram por lá e quem participa no domingo, dia 29, é o DJ Patife.
Conversamos com o DJ MAM sobre o seu atual momento, confira:
MOOD – Você está recebendo no Parque da Bola convidados para relerem o seu álbum ‘Sotaque Carregado’, de 2012. De que maneira o DJ Patife, convidado de domingo (29), te influenciou?
DJ MAM – O Patife foi um dos grandes pioneiros da música eletrônica brasileira para as pistas de dança. “Sambassim”, faixa que ele gravou com a Fernanda Porto em 2001, foi uma referência para a nossa geração. Estudei a estética de sua música e o seu formato de live PA para criar o Brazilian Lounge em 2002. Inclusive o cito em minha monografia sobre culturas híbridas para a conclusão de minha graduação em publicidade e propaganda finalizado na época.Em 2006, quando eu já me inclinava a pesquisar os sotaques do Brasil para dialogar com os beats globais e lançar o projeto Sotaque Carregado no ano seguinte, Patife lançava o álbum ‘Na Estrada’ e nele um petardo, “Made in Bahia”, um mix perfeito do drum’n bass com a levada do cortejo afro muito bem dialogado com o flow londrino do Cleveland Watkiss. Acho que essas duas músicas do Patife ‘aparecem’ em meu álbum em “Poção do Amor”, aonde dialogo o drum’n bass com os sambas rock, enredo e reggae, bem como com o baião.
Quem trouxe o Patife e o Marky para tocarem no Rio foi a festa Broken Beats, dos amigos David Tabalipa e Mário Bros. Mário é um irmão para mim. Ele e o Pachu me ensinaram a mixar. E o Mário sempre falou muito bem do Patife, portanto eu tinha uma simpatia bem grande por ele, além da admiração. Em 2004, tive a felicidade de fazer um back to back com o Patife e o Marky na festa do Prêmio Multishow de Música Brasileira. Foi inesquecível! Nesse ano de 2014, 10 anos depois, encontrei o Patife na noite de autógrafos do Prêmio da Música Brasileira. Nos abraçamos muito. Mó irmandade. Daí, comentamos da lista Música Brasileira para Pistas de Dança, do qual estávamos iniciando na época e combinamos de agitarmos algo juntos. E é o que faremos nesse domingo!
MOOD – Jodele Larcher, um dos mais importantes nomes da cultura visual brasileira, dirige seu show. Como está sendo esta experiência?
DJ MAM – Tem sido muito enriquecedora e estimulante. Estamos repaginando o show do cd a cada dia e desenvolvendo uma nova linguagem áudio visual e cênica para o ‘Sotaque Carregado’. Estou experimentando os remixes que os Djs convidados estão produzindo. Desde o roteiro ao figurino existe uma interação com o Jodele. É uma oportunidade única tê-lo ao meu lado.
Um exemplo dessa parceria é o figurino incrível, numa onda indígena futurista, que a Julia Vidal desenvolveu inspirada na Cultural Future. A dica foi dada pelo Jodele, em resposta à minha busca por representar a antropofagia como o recurso estético que nos coloca, a nós brasileiros, a frente do tempo. Esse figurino, que remete a um herói nacional, acabou me aproximando do público infantil, que vinha me admirando por conta das letras de algumas músicas. Recebi vários relatos de amigos sobre a curtição de meu repertórios pela criançada. O Parque tem muita família e isso é maravilhoso.
Tive que dar uma pequena adaptada no repertório para ser agradável tanto às mamães grávidas, às famílias e a molecada. Vejo no olhar dos pais o desejo de suas crianças se apropriarem do repertório nacional. E o brilho nos olhos desses pais, que viram crianças ao lado de seus filhos, com o orgulho de nossa música, tem mexido comigo, tem me dado muita auto-estima para seguir em frente, para ter certeza de que ser brasileiro não é ser cafona, mas, sim, voltarmos no slogan que criei em 2007 para o programa Brazilian Lounge MPB FM, onde tudo começou e afirmar que SER CHIQUE É TER SOTAQUE CARREGADO. Sinto-me com uma função educacional e vi no parque quão mais fácil pode ser plantar essa semente numa criança, e no seio da família, do que nos frequentadores de uma pista de dança noturna.
MOOD – Patife remixou a musica ‘Ogun Oni Ire’, que será lançada no palco do Parque da Bola no próximo domingo. Qual a razão dela ter sido escolhida para o remix?
DJ MAM – “Ogun Oni Irê” surgiu de uma visita de meu parceiro autoral, o ogã do Gantois, Yomar Passos, à minha casa. Ele queria transformar a melodia de uma cantiga do axexê, ritual fúnebre do candomblé, em uma canção eletrônica. Registrei esse encontro em vídeo e fiz um mini clipe da 1ª versão da música (http://bit.ly/1iDA89J).
Orun é o plano espiritual e Aiê é o plano físico. Dei esse nome porque achei que a melodia provinha de uma relação de partida, do Aiê para o Orum, da Terra para o Céu. Ogun é meu orixá. “Ogum é considerado o primeiro dos orixás a descer do Orun (o céu), para o Aiye (a Terra)”. Ogun é o orixá dos caminhos abertos. Ele vem à frente. Acredito que, assim como consagrei a música “metalounge” a Ele para abrir meu primeiro álbum em 2002, o Brazilian Lounge, acabei também fazendo uma música de abertura em sua homenagem. As duas músicas acabam tratando dos planos físico e metafísico e guardam a minha relação com o divino, com o absoluto, com o todo, mas também com o aqui, com o agora e, principalmente, com aqueles “agoras”que ficaram no passado nos momentos de criação das duas músicas.
Enquanto em “Metalounge” eu sampleei um papo telefônico que tive com com o Rodrigo Sha sobre o processo de produção da música, em “Ogun Oni Irê” é a visita do Yomar Passos que foi sampleada de um vídeo que fiz para registrar a ideia dele. Eu abro a música com esse sample dele. A melodia da canção mudou, mas mantive os contra-cantos onomatopéicos originais. Marcelinho da Lua, que produziu a música comigo, me inspirou a compor uma letra e a cantá-la. Ela era a primeira música do álbum que estávamos produzindo. Acabei compondo uma oração saudação.
“Ogun Oni Irê”, significa Ogun rei de Irê. Irê se situa na Nigéria, donde veio esse orixá para o Brasil, bem como é a terra de Fela Kuti, e do afrobeat, uma das estéticas globais que antropofagizamos na música. Os beats vieram sampleados do LP das rainhas da disco “African Queens” e foram trabalhados para soarem secos como o remix que os ingleses do The XXfizeram para a Florence And The Machine em “You Got The Love”, música que deu a diretriz de como eu, Alex Moreira e Da Lua trabalhamos os samples da voz do Yomar, variando a sua afinação ritmicamente. Os samples foram colados na segunda introdução da música inspirados na estética de músicas de Fela Kuti e de Manu Dibango. “Soul Makossa” foi uma música muito influente para nós para a criação da introdução e para o arranjo de metais. O arranjo de metais também foi inspirado em outra música, “Wanna Be Startin’ Somethin’”, de outro rei, o do pop, Michael Jackson, que, inclusive, cita “Soul Makossa” em sua letra. Para gravar os metais, convidei Rodrigo Sha. Para trazer a música do universo rural do candomblé para o pop, convidamos o internacional Laudir de Oliveira para groovear com as suas congas, e Rita Ribeiro, pioneira doTecnomacumba, para interpretar a canção comigo. Rita fez valer a sua assinatura inserindo pontos de umbanda e fazendo seus belos arranjos de vozes.
Foram esses pontos de umbanda que chamaram a atenção do DJ Patife para essa música, ainda inédita. O Patife sempre esteve à frente, como Ogun. Só podia ser essa música mesmo.
MOOD – O álbum ‘Sotaque Carregado’ anda recolhendo elogios do exterior mesmo sendo lançado há 2 anos atras. Por que acha que o disco vem repercutindo tão bem e por tanto tempo?
DJ MAM – Cada música tem em sua amálgama uma grande quantidade de referências musicais familiares a qualquer ouvinte do mundo, mas garante um frescor, seja pela canção autoral que se utiliza do suporte eletrônico para circular com maior facilidade, seja pela mistura de ritmos que ainda não tinham dialogado, como a mistura do samba com o carimbó. Acho que esse repertório é adequado para o momento de exposição que o Brasil e o Rio de Janeiro estão perante o mundo nos próximos dois anos, pois ele é local, mas dialoga com o global.
MOOD – Depois que acabar a Copa do Mundo quais são os seus planos?
DJ MAM – O primeiro passo será reunir os remixes dos DJs convidados que participaram do Parque e lançar um EP do ‘Sotaque Carregado’ digital. Além do Da Lua, que remixou “Coco de Itaparica”, do Deeplick, que remixou “Sambarimbó” e do Patife, que terão subido ao palco do parque comigo, o DJ Lucio K, atualmente residindo em São Francisco, também participará do EP. Ele remixou “Pra balançar a nega”, que venho tocando nas apresentações. Até o final do ano, lançarei um segundo EP digital e o álbum completo com uma tiragem especial. Alguns produtores como o Maga Bo e o Omulu já estão “no contexto”.
A idéia é circular com o show remixado e repaginado pelo Jodele Brasil e mundo afora. Estamos nos inscrevendo em editais e já tenho alguns convites. A experiência com o público infantil me cativou e penso em fazer uma edição do ‘Sotaque Carregado’ para ele. Internacionalmente, fui convidado para replicar o projeto ‘Sotaque Carregado’ em Cabo Verde. Eu e Rodrigo Sha estamos também com a master do Brazilian Lounge Volume dois na mão.