Não é à toa que crescemos e proferimos incessantemente que sentimos saudade da infância, como era bom ser criança ou como voltaríamos facilmente àqueles áureos tempos. Tudo era sim mais simples, leve, divertido e cômodo. Ao menos aparentemente.
Ao longo da vida acabamos levando certos tombos que nos deixam roxões passageiros e doloridos ao tocar, ou até cicatrizes que nos fazem lembrar de certos momentos doloridos mas que com o passar do tempo recordamos com um saudosismo gostoso e até honrado de carregar na pele as estripulias que aprontamos. Quando a gente cresce os tais tombos deixam hematomas muitas vezes não aparentes, mas que não param de doer.
Se formos parar pra pensar é difícil, pra alguns até impossível, lembrar de algum momento da infância em que tivemos que lidar com algum tipo de perda. Nossos pais, sempre zelosos e preocupados com o nosso coraçãozinho sonhador e idealista sempre davam um jeitinho de mascarar a realidade e colori-la com os mais singelos eufemismos que nem supúnhamos ser o que realmente eram. Tipo os bebês nascendo de repolhos, ou vindo trazidos em fraldinhas no bico de cegonhas, tipo as pessoas indo morar com o papai do céu, ou os trovões sendo apenas móveis arrastados durante uma arrumação costumeira na casa lá de cima, fada do dente, coelhinho da páscoa, biscoitinhos e leites na janela pro tal do Papai Noel. Quando algum dos nossos animais de estimação sumia, ou ele tinha ido pra algum vale encantado encontrar uma namoradinha da sua espécie ou ele tinha ido pra algum tipo de mágico curandeiro que ia dar um jeito naquela tristeza que ninguém mais conseguia curar. Os finais eram sempre felizes e os contos de fadas eram praticamente reais, aconteciam nos nossos quartos, jardins, salas e varandas.
Aí a gente cresce e descobre que muito do que eles fizeram para poupar o nosso ingênuo e delicado coração era tanto medo quanto o medo que nós teríamos se soubéssemos da verdade. A gente cresce e descobre que os vales encantados na verdade eram um buraquinho no quintal, que os curandeiros mágicos nunca existiram e que as bruxas são bem mais reais que as fadas.
Não é errado adiar o sofrimento, não é errado poupar o máximo que der uma alma da realidade. Mas uma hora ou outra ela vai chegar, e apesar de a gente esperar que um beijinho traga alguém de volta, que poções mágicas curem e abóboras virem carruagens, lá no fundo, bem no fundinho, a gente sempre soube que um sapatinho de cristal não podia ser verdade.
Eu vivi todos os sonhos e as ilusões que uma criança merecia ter vivido e, confesso, preservo minha herança sonhadora e infantil dentro de mim. Lembro das brincadeiras, dos passeios, dos brinquedos e das manias. Lembro que acreditava que meu avô viveria até os 200 anos, acreditava nisso até pouco tempo, quando o velhinho danado inventou de ir embora sem nem deixar um bilhete, só o tal do roxão, que não aparece, mas dói.
Quando eu era pequena meu canário, o Amarelinho, ficou muito doente, e aí minha família teve a brilhante ideia de levá-lo pra um desses tais mágicos curandeiros, eu também acreditava, até meus vinte e poucos anos, quando caí na asneira de fazer a seguinte pergunta: “Será que o Amarelinho ainda tá vivo?” Ora bolas, nem que curandeiros mágicos existissem, só se ele fosse o canário Wolwerine. Enfim, minha vó respondeu, como sempre, delicadamente: “Claro que não Paulinha, ele morreu, a gente só não quis te contar!” Chorei feito bezerro desmamado, leitão guacho.
Quem sabe se eu tivesse sabido, quando o danado do meu avô resolveu avoar pra longe, eu ia entender que tava na hora de ele encontrar o Amarelinho. Não é pra ser um texto triste, embora a saudade, apesar de acalentar, machuque de mansinho. É pra dizer que uma hora ou outra a gente é forçado a aprender, mas que a gente não aprende de uma hora pra outra. A infância foi e sempre será linda, mas a vida, apesar de doída, não valeria de nada se não fosse a lembrança de quem fez o máximo para que ela valesse à pena.
Aimoré, pai, vô, gordinho, eu te amo no mais puro sentido que a palavra amor engloba. Tomara que no céu tenha internet e que tenham te esperado com um óculos. <3
“Fatalidades não são algo que crianças precisam saber. Crianças, aliás, não deveriam saber de nada ruim. Somente que os peixes nadam, que os passarinhos voam E QUE OS AVÔS AVOAM.”
Por Paula Moran