Cenários noturnos sob a visão de 5 mestres da pintura:
Edgar Degas
Nascido em Paris no ano de 1834, Degas, apesar de participante do movimento Impressionista, não gostava de pintar paisagens. Atrelava-se igualmente à expressão do instante, mas procurava demonstrar o efêmero não nos aspectos puramente visuais, mas nos movimentos de um ser vivo. Para ele, não poderia existir uma nova forma de ver sem que houvesse também uma forma de pensar. Mais ainda do que representar, ele ousava captar: Fruto de seu agudo senso observador é o teor de documento social notório em sua obra.
Degas retrata o falso luxo do modelo de sociedade da época em O Absinto, mostrando a palidez do rosto da moça, diante de um copo de bebida, como se os laços dos sapatos e os enfeites do vestido e do chapéu de repente se transformassem em algo estúpido e superficial, numa expressão de fracasso, solidão e abandono. Ao lado dela é retratado um homem vulgar e presunçoso, que parece não lhe dar a menor importância.
“É uma humanidade macilenta e desperdiçada, parada no tempo vazio e no espaço estagnante: fria como o mármore das mesinhas mal lavadas, surrada e desbotada como o veludo dos sofás, opaca como os espelhos embaçados.” (Giulio Carlo Argan)
Com o mesmo senso crítico-observador, vemos o ambiente alegre e iluminado de Cabaret, com moças vaidosas se divertindo e músicos tocando. São dois ambientes, e acima disso dois rumos diferentes que uma noite pode tomar, expressados por um artista que ultrapassava a sensação visual e revelava momentos psicológicos e situações humanas que o olho não registra sem o auxílio do pensamento.
Pierre August Renoir
Casais dançando, amigos conversando, sorrisos, olhares apaixonados… retratados nas pinceladas pequenas e delicadas deste pintor Impressionista, contemporâneo de Claude Monet, Édouard Manet e Edgar Degas. Nascido em 1841 em Limoges, na França, Renoir fazia uma pintura sem segundas finalidades. Não se prendia a motivações morais, religiosas ou sociais; apenas se encantava com suas impressões da realidade. Nesta obra, O Baile no Moulin de la Galette, somos contagiados por um espírito de serenidade e harmonia conjunta, como se os impulsos fossem unidos numa manifestação única de felicidade de todos os personagens retratados. Renoir se entusiasma com as paisagens e com a sucessão de belas aparências que se apresentam à sua visão. É otimista, e aprecia sinceramente a natureza, juventude, alegria e gente ao seu redor. Parece se envolver completamente pela felicidade que encontra no mundo e tenta perpetuá-la, festivamente, se extasiando com a sinfonia de cores, movimentos e expressões alegres de um contagiante baile.
Vincent van gogh
Nasceu na Holanda, em 1853. Rebelde e inclinado à solidão, Van Gogh rejeitava a realidade e a estrutura da sociedade da qual fazia parte. Sem dúvida este caráter se refletia em sua obra, mas ainda assim podemos perceber o quanto o universo da noite foi magicamente explorado pelo artista, ganhando cores vibrantes e uma intensidade totalmente particular. Van Gogh ocupa-se com larga dedicação à pintura da noite, à questão de como representar a escuridão por meio da cor. Se a cor vive da luz, como então fazê-la expressar o oposto? Essa atmosfera o deixou bastante emocionado. Em 1888, quando pinta o Café de Noite, na Place Lamartine, dormiu durante meia semana durante o dia, para se recolher à noite no ambiente depressivo da taberna e pintá-la. Bêbados solitários, um jogador de bilhar, um casal amoroso em um canto, eram por ele definidos como “personagens da desesperança”. As palavras de Van Gogh expressam sua visão do ambiente noturno que se empenhou tanto em retratar:
“No meu quadro do Café de Noite, tentei expressar que o Café é um lugar onde alguém se pode arruinar, enlouquecer ou cometer um crime. Pelos contrastes das tonalidades de um rosa delicado e vermelho-sangue e vermelho-escuro, de um verde suave Luís XV e verde veronês contra um amarelo-esverdeado e azul-esverdeado forte – tudo isto numa atmosfera do rubro de fogo infernal e um amarelo baço de enxofre – quis exprimir o poder tenebroso duma taberna”, diz o artista. E acrescenta:
“Por todo lugar há luta e antítese: nos vários verdes e vermelhos, nas pequenas figuras dos noctívagos adormecidos, na sala vazia, lúgubre, no violeta e no azul”.
Pintar ao ar livre, à noite, com luz artificial é invenção específica de Van Gogh. Para ele, a noite é mais viva e rica em cores do que o dia, pois os objetos e pessoas pouco visíveis estimulam a precisão e a fantasia artística.
No Exterior de Café à noite, na Place du Fórum em Arles, o cenário noturno ganha um ar mais natural:
“Um café à noite, visto de fora. Na esplanada estão sentadas pequenas figuras a beber. Uma enorme lanterna amarela ilumina a esplanada, a frontaria da casa, o passeio, e lança luz até o empedrado da rua que recebe uma tonalidade rosa-violeta. As fachadas das casas da rua, que se prolongam sob um céu estrelado, são em azul-escuro ou violeta; em frente uma árvore verde. Aí tens um quadro da noite sem preto, só com azul bonito, e com violeta e verde, e neste ambiente o sítio iluminado torna-se num amarelo baço de enxofre e verde-limão”. (Vincent Van Gogh)
Edvard Munch
“Já é tempo de pararmos de pintar cenas interiores com pessoas lendo ou mulheres fazendo meias. Devemos criar pessoas vivas, que respiram e sentem, sofrem e amam.” (Edvard Munch)
Aqui não falaremos de cenários noturnos diretamente, mas de sentimentos, belos ou destruidores, simples ou conflituosos. Nascido na Noruega, em 1863, Munch incentivou com sua pintura um movimento de reivindicações sociais. Mas a denúncia da realidade externa não era o bastante para ele; era necessário questionar-se sobre o destino do homem. Suas obras refletem os sentimentos mais ligados à essência do homem, a seus mais íntimos desejos. O Grito, Ansiedade, Melancolia, Ciúme, Separação e Desejo são alguns dos títulos que podem dar uma clara idéia disso. O que é retratado são os momentos eternos da natureza humana, livres de contextos temporais e geográficos. O Beijo constituía até então um grande tabu, e suas representações eram feitas com um pudor que lhe tirava a possibilidade de expressar as muitas emoções envolvidas naquele breve instante. Nesta obra, o beijo ganha a brutalidade do choque entre dois seres, e é tomado pela luxúria sem qualquer pudor. Sexo e angústia são os temas mais salientes da obra do precursor do Expressionismo Alemão, que muito além de um ambiente neutro, é um prolongamento psíquico do homem.
Edvard hopper
Nasceu em Nova York, em 1882, e é reconhecido como o mais importante pintor realista americano do século XX. Hopper gostava de pintar lugares públicos, tais como hotéis, motéis, trens, estradas, restaurantes, teatros e cinemas. Entretanto, sua visão parece ser mais direcionada para a solidão, o vazio e a estagnação da vida urbana. Hopper pintava estes cenários com um senso perturbador da verdade, expressando o mundo a seu redor como um lugar insensível, indiferente e alienante. Os personagens de suas obras são terrivelmente solitários, e isso parece ganhar grande identificação com os cenários noturnos, que se apresentam sombrios e algumas vezes quase tediosos. Hopper ganhou a reputação de um pintor que expressava a solidão e o marasmo da vida na grande cidade, como um senso de desesperança humana.
As figuras representadas são pouco comunicativas. Quadros como Nighthawks mostram um estado de ânimo bastante desolado, através do retrato de pessoas caladas e intimistas. Mas Hopper ressalta que não vê essas figuras exatamente como solitárias, mas talvez inconscientes, como se houvesse uma pulsão superior ao individualismo de cada uma delas, e que ao mesmo tempo as observasse mergulhar neste estado de introspecção. Seus quadros exercem um forte impacto psicológico no observador. São cenas de rotina, tomadas de sentimentos neutros e/ou sem entusiasmo, ou ainda absolutamente obscuras e carregadas de suspense, como em NightShadows.
Por Alexandre Eugênio