A gente está tão acostumado pensar nas curtições e diversões da noite que acaba esquecendo de uma outra face dos “hábitos noturnos”: o trabalho. Parece óbvio, mas muitas vezes não notamos: para cada bar, restaurante, posto de gasolina ou qualquer outro serviço que funcione noite adentro, tem uma pessoa (ou muitas delas) trabalhando para que você possa ser atendido às 23h, às 2h30min e até mesmo às 5h da madrugada.
Trabalho Overnight – Algumas histórias
Diovani Sczcepaniak, por exemplo, gosta de trabalhar à noite. Aos 24 anos, trabalha como atendente em uma loja de conveniências 24h, fazendo o turno da noite (22h-6h) há dois anos. Ele conta que escolheu trabalhar à noite, simplesmente porque “acha melhor do que trabalhar durante o dia: é menos movimentado e tem pessoas mais interessantes”.
Diovani é casado e afirma ter pouco tempo para conviver com sua esposa, já que costuma dormir durante o dia. Mais de uma vez foi trabalhar direto, sem dormir. “Escolho um turno para viver: a manhã (dorme do meio-dia às 20h) ou a tarde (e durmo das 7h às 15h)”.
Essa é uma prerrogativa de quem trabalha em turno invertido: aprender a viver com um dia que rende menos. Dormindo, por exemplo, das 7h até as 14h, presumindo uma jornada das 22h às 6h, sobram 8h para almoçar, jantar, cumprir obrigações (coisas como pagar contas, limpar a casa etc) e se divertir. Também fica complicado de encontrar os amigos, que devem estar trabalhando. Sem falar em paquerar. (Ainda que se possa paquerar, sim, no trabalho noturno!)
O frentista de posto de gasolina Pedro Fernandes, 33 anos, não vê prazer em trabalhar de madrugada, mas encontra compensações. “Prefiro a noite porque o salário é um pouco mais alto”, explica. De fato, as leis trabalhistas determinam uma adicional de pelo menos 20% sobre o valor do salário. Escalado para atender das 22h às 6h, conta que desde que começou a trabalhar enfrenta o turno da noite – era vigia anteriormente. Também é casado, mas não vê na labuta em turno oposto um problema e diz que consegue encontrar tempo para a família. “Depois de sair do trabalho, dou um beijo na esposa e no bebê e levo o filho maior pra escola. A gente sempre dá um jeito de curtir a família”.
Se Diovani e Pedro lidam bem com o fato de trabalhar com as corujas, Luiz Fernando Fay, 57 anos, é um taxista que há um ano e meio briga com o cansaço. Seu turno começa entre 5 e 6 da tarde e vai até as 8 horas da manhã. Fernando era vendedor comercial anteriormente; aposentou-se e precisou de outra fonte de renda. Acabou como motorista de táxi. E à noite, “já que de dia quem dirige é o dono do carro”. Ele diz que estranhou muito ter de trabalhar à noite e confessa que até hoje não se adaptou.
“Não foi escolha, foi necessidade. A gente acaba não tendo mais vida, porque não dorme direito durante o dia, passa o tempo inteiro cansado e sempre protela a vida particular”. Dormir, para ele é o pior, principalmente no calor do verão. Reclama também do perigo dos assaltos, que aumentam à noite, e dos clientes chatos. “O ponto é perto de uma casa noturna, e tem muito cliente que teve uma noite ruim e vem chorar no ombro do motorista. Taxista é muro das lamentações”.
Outro ponto negativo para quem trabalha à noite se refere à saúde. Ainda que não existam pesquisas extensas, já são comprovados alguns malefícios decorrentes da troca de “fuso horário”: aumento da irritabilidade, impaciência, insônia, sonolência diurna, quadros depressivos, problemas gastro-intestinais e quadros de hipertensão arterial. Para as mulheres há um risco a mais: o trabalho noturno aumenta o risco de contrair câncer de mama (!). É o que mostra um estudo de cientistas dinamarqueses da Universidade de Copenhague. Uma mulher que trabalhe 7 anos no turno da noite tem até 70% mais de possibilidade de contrair câncer de mama do que a que trabalha de dia. Pra terminar essa urucubaca pra cima dos corujões, uma pesquisa do departamento de Cronobiologia da USP comprovou que drosófilas (as populares mosquinhas das frutas) submetidas à iluminação em turnos alternativos (ou seja, “trabalhando” à noite), tiveram sua expectativa de vida reduzida em até 20%. (Não sei se você é uma drosófila. De qualquer forma, considere-se avisado.)
Então, na próxima vez em que pedir um chope no seu bar predileto às 3h da matina ou for naquela farmácia 24h comprar camisinha – sem mencionar plantonistas de hospitais, policiais e outros “essenciais” -, diz um “obrigado” especial pra quem te atender. Se não fosse por ele, sua noite ia ser, no mínimo, muito mais chata.
Por Tiago Casagrande