“O inferno são os outros.” (Sartre)

Será?

Não acho. O inferno, quando, e se existe, existe dentro de mim.
O outro não tem culpa se entrego a ele a chave para minha tristeza ou felicidade. Ele não tem culpa de não corresponder às minhas expectativas, fantasiosas ou nem tanto.
Ele só não estava afim de dar bom dia, e daí? Vou fechar a cara, e passar o resto do dia de mau humor?
Como é difícil se relacionar, com os outros, consigo mesmo. Acho que é a coisa mais complicada do mundo. Por isso tanta gente desiste, e se isola. Levanta muros que ninguém consegue escalar. Ou ao contrário, passa a vida vulnerável, esperando, chorando, se lamuriando, porque fulano isso, sicrano aquilo, a chuva veio e estragou o piquenique. A culpa é da chuva, ou da previsão do tempo, que dizia “tarde ensolarada e quente”? Ah, dos dois. Minha é que não é.
Um culpado, por favor. Como é bom achar alguém ou algo que alivie a nossa dor, que nos tire o peso da própria escolha. Que tire o foco de dentro, para fora, de preferência para longe, bem longe. Culpa-se a mãe, o pai, o cara da previsão do tempo. E você, que olhou para o céu, e viu a nuvem carregada que se aproximava, e ainda assim, insistiu? Você não é responsável, porque prefere acreditar contra todas as evidências. Você, que não sabe dizer um não, que tem medo de sair da zona de conforto, que é ingênuo sem ser, você, onde fica?
Já me aconteceu muita merda nessa vida, e eu já joguei a culpa em muita gente. Só que, de uns tempos para cá, eu parei. Percebi que a única culpada ( no bom, e no mau sentido da palavra), sou eu mesma. E agora carrego o peso e a leveza comigo, da minha total responsabilidade por erros passados, presentes, futuros. Todos meus.
Quem me atrapalhou, afinal, fui eu.
É mais fácil se escorar em alguém. Mas, e quando esse alguém desmorona, e falta, e te decepciona, onde você fica? Cai junto, reclama, o penitencia, esbraveja. Ou levanta, sacode a poeira, sorri amarelo e agradece o apoio recebido, mesmo que mal construído.
Por que não, então, tocar a vida, e construir seu próprio abrigo? Seguro e secreto, no único lugar onde você vai sempre poder estar.
Você sabe onde fica esse lugar?
Nenhuma pessoa veio ao mundo para ser aquilo que o outro espera dela, o tempo todo.É até falta de respeito isso. Por mais que se esforce, e tem gente que se esforça ( eu me incluindo), para não desagradar nunca, para fazer tudo certo, andar no trilho certo, não se consegue sempre. Quase nunca se consegue. A decepção virá, um dia. Porque não existe trilho algum. Existem trilhas. Caminhos, cheios de atalhos, e desvios, buracos e armadilhas. Também não existem rotas, nem bússolas. Existem momentos. Instantes, passagens.
E mais, existem as pessoas, incertas e imperfeitas e sujeitas a humores diversos.Tão humanas, e maravilhosas, e tão reais e passageiras quanto a gente.
Não existe um único alguém que vá se moldar, do jeito que se imagina que tenha que ser.E nem tem que haver, ainda bem que não há.
Existe essa viagem e ela é, em síntese, solitária. Com alguns bons encontros, outros tantos desencontros. Com alguns bons guarda chuvas, outros tantos campos bem abertos, totalmente descobertos.
Existe a vida, essa louca imprevisível, que chove sem avisar em sonhos quadriculados e bolos recém assados, desmanchando os planos perfeitos do piquenique perfeito de um verão (quase) perfeito.
Chuva ou sol, não importa.
Os dois.
O inferno é meu. O paraíso é meu.
Os dois.
Ainda citando Sartre, o que importa mesmo é o que eu faço daquilo que fazem comigo. Ou melhor, o que eu faço daquilo que eu mesma faço, comigo.
Para dizer a verdade, é libertador. Isso, de ter a chave de casa.