John Lennon nascia para o mundo ao mesmo tempo em que se tornava o pai dos Beatles, a mais revolucionária banda de rock de todos os tempos. Durante quase vinte anos revirou a medieval mentalidade vigente através de inúmeras manifestações culturais e ideológicas derivadas de seu estratosférico carisma. Fez inimigos tão poderosos quanto a definitiva reforma de costumes que criou, chegando a ser investigado pelo FBI. Acabou assassinado aos 40 anos por um fã enlouquecido. Mas ressuscitou. Prestem atenção: John Lennon ressuscitou. E anda solto por aí.

Afinal desde os anos 60 nunca os princípios de paz e amor – sua grande bandeira – foram tão discutidos e desejados mundo afora como são hoje. Se pensamentos em massa constroem uma realidade, como sugere a música Mind Games, paz e amor estão aí, concretos como o mouse que você segura, e John Lennon está vivo como as sinapses que criam idéias. Como ele mesmo colocou em outdoors espalhados pelos Estados Unidos no Natal de 1975 e cantou em Happy Xmas (War is Over): “A Guerra Acabou! (Se Você Quiser)”.

“Estamos tentando tornar a mensagem de Cristo contemporânea. O que ele teria feito se propaganda, TV, discos, filmes e jornais existissem naquela época? O milagre de hoje é a comunicação. Então vamos usá-la.” – John Lennon

O problema é que paz e amor estão muito, mas muito mal interpretados. E mal disseminados. A idéia original é que cada um de nós germine o mundo careta com sementes flower-power a medida em que assumimos postos de influência em nossos trabalhos, nossas famílias, nossos círculos sociais. “Esta era a chave do sucesso que o movimento hippie perdeu”, desabafou certa vez Lennon em encontro com o nosso Raul Seixas. “Sair do sistema é a coisa mais estúpida que se poderia fazer. É preciso usar a gravata para mudar o reino das gravatas”.

Sua filosofia emergiu quando ainda liderava os Beatles, com o mantra psicodélico All You Need is Love e o lançamento da espetacular animação pacifista “O Submarino Amarelo” nos cinemas de todo o planeta; sozinho, Lennon encontrou tempo e liberdade para desdobrar o assunto de todas as formas possíveis, o que resultou em composições ritualísticas como Give Peace a Chance ou da militância prosaica de Revolution.

Mas o projeto de John Lennon foi suspenso num nova-iorquino 8 de dezembro de 1980, através da arma de Mark Chapman. E há um poderoso pensamento, corrente em alguns segmentos da classe artística americana, de que as prováveis conseqüências disto foram os atentados ao World Trade Center e os lamentáveis desdobramentos da atual política de George W. Bush. Em sua edição de dezembro de 2001 a revista Rolling Stone fez um tributo de seis páginas a Imagine, classificando-a como o “hino universal da paz” frente à tragédia de 11 de setembro. As vítimas de Bin Laden também foram lembradas num espetáculo apresentado pela viúva Yoko Ono, onde as canções de Lennon foram interpretadas por astros do rock/pop mundial – seu filho mais novo, Sean, incluído.

“Imaginação é mais importante que conhecimento” – Albert Einstein

Acredita-se que, se Lennon estivesse fisicamente vivo, talvez seu ativismo alcançasse uma massa crítica ou uma força política capaz de nos desviar para destinos menos sombrios… quem sabe? Afinal, junto com Yoko ele estilhaçou tabus sexuais, como na capa de seu primeiro álbum solo, “Two Virgins” (1970), onde o casal aparece em completo nu frontal; consolidou o movimento feminista, fosse em canções de crítica universal tipo Woman is the Nigger of the World ou de exaltação ao devir mulher em Woman; lançou um novo papel masculino ao assumir publicamente que realizava tarefas domésticas e dividia responsabilidades na criação do filho; e causou furor internacional com o “in-bedding”, quando ele e Yoko permaneceram dias seguidos deitados na cama do casal – rodeada de repórteres – em protesto pela paz, sob o clássico slogan “Make love, not war” (“Faça amor, não faça guerra).

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John Lennon – O moço não era brinquedo.

Seu ativismo raiou junto com a contracultura, quando ainda liderava Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star. Inebriado pelo movimento de não-violência de Gandhi, John Lennon passou a segunda metade dos anos 60 explorando filosofias orientais, chegando a viajar algumas vezes à Índia com os Beatles para se encontrar com o guru Maharishi.

“Acredito em tudo até que me provem o contrário. Então acredito em fadas, mitos, dragões. Tudo isso existe, mesmo que seja somente na sua mente. Quem poderá dizer que sonhos e pesadelos não são tão reais quanto o aqui e agora?” – John Lennon

O humanismo natural de Lennon, somado às suas inúmeras experiências com drogas psicodélicas, transformou a religiosidade adquirida em fantásticas críticas, interpretações e previsões sobre o homem contemporâneo e o universo. Tanto a letra quanto os arranjos de I´m the Walrus anteciparam a Era da Informação desta virada de milênio, cientistas brincando de Deus, grotesca e sensacionalista cultura de massa e aldeia global; Lucy in the Sky with Diamonds, o expoente máximo da lisergia musical, foi a faixa mais celebrada do álbum mais importante da banda, “Sgt Pepper´s Lonely Heart Club Band”; o nonsense proposital de Strawberry Fields Forever é a simulação de um legítimo “papo de doidão”, com versos completamente sem sentido, que falam e não dizem nada. Strawberry Fields é o lugar para onde se vai quando em estado alterado de consciência, onde nada é real, e não há com o quê se preocupar.*

Um mundo sem John Lennon, encarnado física ou subjetivamente, é cínico, perigoso e austero como God e o desespero enquanto linguagem do divino – isto a humanidade já atestou. Suas iluminadas tempestades de genialidade abriram os clarões necessários para o estabelecimento da Nova Era anunciada por sua geração. Lennon nos deu a visão e agora, mais do que nunca, nos pede a prática. Senão… Instant Karma!

* As músicas citadas neste parágrafo foram compostas exclusivamente por John Lennon, embora a autoria de todas as canções feitas por ele e/ou por McCartney na época dos Beatles seja registrada em nome da dupla.

 

Por Joana Coccarelli